domingo, 20 de abril de 2014

Espelhos | sohlepsE




Morava sozinha e tinha cinco espelhos em casa. Quase um por peça.
Espelhos não mentem, todos refletiam a imagem de uma bela mulher, mesmo que estivesse recém acordada ou ao final de um dia cansativo.
Simpática, sociável, com amigos em todos os círculos em que se relacionava.
Nunca compreendeu porque estava sozinha.
O passar do tempo refletido no espelho a pressionava, se espantava com a pressa dele em envelhecê-la. Pele do rosto com algumas linhas tracejadas que só ela via, projetos de futuras rugas, estradas tristes do tempo.
Sozinha, saía à rua sem olhar para os lados, para não ver e não ser vista. Algumas conversas reais ou virtuais sem sabor, falsas promessas, sumiços inexplicáveis, seguia sem perspectiva afetiva.
Estava sentada na arquibancada vendo a vida passar.
Seu limite chegou, jogou fora todos os espelhos da casa, cansou da verdade fria que eles refletiam, belas e traiçoeiras imagens e foi para a rua sem se olhar em um espelho.
Passou a ver seu reflexo nas outras pessoas, imagens do seu rosto refletida nos olhos do moço bonito que olhou para ela na calçada, do seu corpo no sorriso amplo do vizinho, da sua alma no abraço firme do amigo.
Aceitou a si mesma nos outros.
Substituiu a ditadura do espelho pela democracia do risco de olhar e ser olhada.
Desistiu do conforto de pensar pela emoção de sentir.
Foi vista sorridente caminhando de mãos dadas em uma alameda de um grande shopping da cidade, passando diante de amplas vitrines envidraçadas sem procurar seu reflexo nelas.
Nunca mais comprou espelhos, nem os deu de presente a ninguém.