domingo, 25 de julho de 2010

O Caçador de Sombras.

Os anos de vida nos ensinam a ver as pessoas um pouco além do que elas dizem ou demonstram. Um gesto, uma palavra, uma pausa, ou ausência de uma ou outra ou disso tudo revela mais da pessoa do que ela está disposta a nos mostrar. Eu prestava mais atenção a esses detalhes, era mais curioso e necessitava saber mais do outro do que ele estava disposto a dizer.
Anos se foram, a curiosidade se transformou em um superficial sentimento de tédio e, hoje, não mais me interesso pelo subentendido ou o não-verbal como antes.
Quero ficar com o que está dito, o que se mostra à minha frente, sem elocubrações, quebra cabeças mentais complexos, intermináveis, frutos da minha insegurança. Eu quero sentir concretamente, sem distrações. Uma rosa é uma rosa. Um post é um post.
Esta postura me influenciou a não ter mais receio de me mostrar como sou, sem me importar com a opinião alheia. A vida ficou mais leve sem tanto auto policiamento. A série de posts "Necropsia" é resultado dessa nova forma de me ver e de ver o outro.

domingo, 11 de julho de 2010

Ansiedade. (Parte IV da Necropsia).

Eu não sou daqueles ansiosos que, de tanta ansiedade, deixam os outros ansiosos. A ansiedade me atrapalhou mais na juventude, ela me impredia de ouvir música nas fitas cassete, ouvia uma música e, logo, tinha que pular para a outra. Não conseguia ver um filme inteiro na TV, depois de uns minutos eu mudava de canal e terminava frustrado por não poder ver o final da história. Se tivesse que sair de casa para um evento a sua preparação me tomava um bom tempo, seja de logística, seja de preocupação.
Na relação com as pessoas a ansiedade atrapalhava impedindo de vê-las e ao mundo como eles são, eu tinha uma visão apressada e resumida, visão equivocada daquilo que me cercava.
A ansiedade diminuiu com os anos, hoje, consigo ouvir um CD inteiro sem que precise pular de faixa, vejo filmes na TV e, mesmo que sejam ruins, resisto até o final dele. Posso ver o mundo com mais precisão, sem a interferência da ansiedade. Ainda sou ansioso e nunca deixarei de ser, pelo menos não sou mais um escravo cego da ansiedade, eu a vejo, identifico, e luto conscientemente para não deixá-la me dominar. O que me desagrada é que essa constante auto vigilância, consome tempo e energia, para um ansioso isso é bem melhor que deixar a vida com as rédeas assustadoramente soltas.

domingo, 4 de julho de 2010

Auto Imagem. (Parte III da Necropsia).

Eu e o espelho temos um relação dicotômica. Ele me mostra uma imagem e eu vejo outra.
Desde pequeno me sinto deslocado visualmente, as pessoas dizem que eu sou normal, mas me vejo feio. Não me sinto visualmente agradável aos meus olhos e quando me dizem que sou bonito tendo a desqualificar a observação causando um mal estar em que me elogia. 
Sempre me vi assim e não será agora que isso irá mudar. Convivo com esse sentimento o tempo todo, em alguns poucos momentos de lucidez me vejo diferente, mais normal, menos feio, mais agradável aos olhos, raros momentos, preciosos.
Perdi algumas boas oportunidades amorosas por conta da minha auto imagem distorcida,  lamento, mas não ficarei preso a esse passado, ainda é tempo de recuperar alguns sentimentos e sensações que não pude vivenciar, de uma forma simples, socialmente aceitável e naturalmente bela.

sábado, 3 de julho de 2010

Sorobô.

Fui procurar um post antigo aqui do blog, tentei usar a ferramenta de busca no alto da página e não funcionou, fiz a busca "à unha" e, durante a busca, li posts antigos que me deram saudade, deles, ou do que me motivou a escrevê-los.
Requentei o prato e republiquei exatamente como foram escritos no passado. 
São os três textos abaixo.
Bon appetit.

A Harpista.

Texto publicado em 10 de Novembro de 2007.
 
Desde adolescente ela tocava harpa, era quase uma extensão do seu corpo, um membro seu que interagia com o ar, dando vazão aos seus sentimentos.
Sempre que ela estivesse muito alegre ou triste ela tocava harpa, o instrumento transferia para o ar seus sentimentos em forma de notas musicais perfeitamente entrosadas com seu coração, fluindo sincronizadas com as batidas dele. Harmonia perfeita.
Hoje ela pegou a harpa de um jeito diferente, sentou à mesma cadeira de sempre, porém sem roupa, trouxe o instrumento contra seu peito nu, começou a tocar uma melodia linda, seus dedos dedilhavam o instrumento como se o acariciasse em uma relação erótica, os sons eram ritmados, sensuais, arrastados. Sua mente voou para longe, onde a fantasia se tornava música e a música, um ato de amor. O vento que entrava pela janela fazia seus longos cabelos esvoaçarem e transportavam a melodia para o infinito, aquele ponto para onde tudo converge e nada se toca, onde o tempo deixa de existir e o desejo vira a única possibilidade de existência.
A música abruptamente lhe escapou contra a sua vontade, assim como o tempo e o desejo, restando-lhe apenas a imagem viva na sua mente do que um dia poderia ter acontecido.

A Dois e A Sós.

Texto publicado em 5 de Maio de 2007.
 
Manhã de sol na praia.
Duas pessoas caminhando: ele e ela.
Distantes, mas um de encontro ao outro.
Tão distantes que parecem apenas um ponto para o outro.
Se aproximam.
Se olham.
Mais perto, se vêem.
Se interessam.
Estão sós na praia.
Olhares se cruzam.
Estão perto demais para desviar o olhar, e longe demais para sentir medo.
Se cruzam.
Seguem a caminhada.
Sem palavras.
Mesmos movimentos.
Já distantes, se viram.
Um olha para o outro.
Ao mesmo tempo.
Param.
Voltam.
Se beijam.
Se amam.
Mudos.
Acabam.
Se levantam.
Vão embora.
Prosseguem seus caminhos.
Sós.

Ambigüidade. Colocando os Pingos no "U".

Texto publicado em 30 de Setembro de 2007. 



Quando eu disse "não", não quis dizer "não" para sempre.
Quando eu disse "sim" eu não quis dizer "sim" para tudo.
Quando eu disse "gosto do azul" não quis dizer que não gosto do amarelo.
Quando eu disse "vou embora" não quis dizer que não voltarei nunca mais.
Quando eu disse "que legal" eu não quis somente agradar.
Quando eu disse "está bom" não quis dizer que não poderia melhorar.
Quando eu disse, eu acreditei que você ouvisse.
Quando eu disse, eu acreditei que você entendesse.