domingo, 25 de setembro de 2011

Ele Sabe Por Que Os Pássaros Voam.




Alguns pássaros voam em círculos ou em uma trajetória errante no céu. Não fazem por acaso e não estão apenas aproveitando as correntes de ar ascendentes. Crianças curiosas olham para o céu e vêem mais do que pássaros em vôo.
O menino observava os vôos dos pássaros, tinha uma capacidade singular de interpretar as manobras como se fossem mensagens. Quando menor, tentou explicar aos outros meninos e aos adultos do que era capaz, foi ridicularizado pelos primeiros e ignorado pelos últimos.
No caminho entre a casa e o colégio olhava para o céu, ansioso pelas mensagens que os pássaros enviavam, quando jogava bola com os amigos chamavam a atenção dele para o jogo, constantemente, de tanto que olhava para cima. Era considerado um menino que vivia no mundo da Lua por olhar tanto para o céu e se desligar da Terra.
Os pássaros desenhavam mensagens no céu todos os dias, conselhos sobre a vida, orientações sobre como o menino deveria agir, avisos de perigo e mensagens de apoio e ajuda. Algumas mensagens eram incompreensíveis, talvez mensagens destinadas a outras crianças que, como ele, possuíam a capacidade de entender o que significavam os vôos e que precisavam ser auxiliadas e orientadas em suas vidas.
Em casa, o menino teve que encarar uma situação difícil, seus pais estavam se separando, cada um moraria em uma casa e ele teria de decidir com qual dos pais viveria. Decisão difícil para quem pensava que a vida é brincar, comer e dormir, provação para o mundo dos adultos, não para ele, não naquela idade.
Resolveu olhar mais ainda para o céu no dia seguinte, quando teria que optar por viver com um dos pais. Foi e voltou para o colégio olhando para o céu. Nada de pássaros. Jogou bola à tarde como sempre fez, sem pássaros, sem vôos, sem gols. À noite sentiu-se abandonado, triste e desorientado sem as mensagens dos pássaros. Brigas em casa, pais incapazes de pensar nele, só em si mesmos. A decisão com quem morar estaria a cargo dos pais ou do acaso, tanto faz, estava sem condições de pensar no assunto. Dormiu.
Acordou cedo com raiva dos pássaros, o ajudavam tanto, porque, agora, o abandonaram quando precisava, sem uma mensagem, ainda que incompreensível? Os amigos e os adultos estavam com a razão? Os pássaros só voavam no céu?
Sábios, os pássaros não emitiram nenhuma mensagem no dia anterior ao da decisão. Foi uma lição. Um menino, ainda que jovem e inexperiente, precisa saber que a vida não é fácil como ele gostaria, há decisões duras nela, nem sempre há tempo e recursos para tomá-las com sabedoria. A vida é desgastante e solitária, só de vez em quando aparece uma mão amiga estendida para nos ajudar. A vida é, também, grande, azul e transformável como o imenso céu onde os pássaros escrevem suas mensagens, cabe a nós escrever, lá em cima, o nosso destino e optar por voar ao lado dos pássaros e entendê-los, ou observá-los, debaixo, pensando que são apenas pássaros voando.

A Reencarnação do Bode 2.


Texto revisado e alterado conforme sugestões dos colegas da Oficina de Iniciação à Prosa.




Ele foi contratado para a vaga de estoquista em uma empresa com cinquenta funcionários. Quase sessenta anos de idade, barriga saliente, calvo. No emprego anterior trabalhava sentado em um escritório. Os colegas estranharam a contratação de uma pessoa de idade para estoquista, naquela empresa, a função requeria esforço físico, carregar caixas pesadas, levantá-las e baixá-las no braço. Ele se adaptou com dificuldade ao trabalho pela demanda física. Era solícito e afável, sempre pronto a resolver todos os problemas do trabalho, inclusive aqueles que não eram sua função resolvê-los.
Rápido se tornou vítima de intrigas e era culpado pelo que não havia feito. Afinal, não reclamava de nada, não fazia queixas aos superiores, complacente, acomodado, figura preferida na empresa para receber a culpa por todos os erros do quadro de funcionários.
Houve um erro grande na empresa que levou à demissão dele ao final do período de experiência. Muitos colegas lamentaram, pois era boa pessoa e colega, outros, ficaram aliviados por se livrarem de um estorvo, alguns ficaram preocupados em encontrar um novo responsável pelos seus velhos e reincidentes erros.
Na reunião habitual, uma surpresa, o colega estoquista recém demitido estava presente, vestido de terno e gravata com o mesmo ar sereno e doce que todos estavam acostumados a ver no semblante dele. O Diretor da empresa, logo no início da reunião, acabou com a curiosidade de todos sobre a presença do ex-colega, explicou que ele havia sido readmitido como o chefe do Departamento De Pessoal da empresa, o período de experiência de três meses foi um truque para que o futuro chefe do Pessoal conhecesse a empresa, sua cultura e, principalmente, os funcionários, suas peculiaridades, personalidades, quem era bom, quem era ruim, quem trabalhava, quem fingia trabalhar, quem era a jararaca do setor, o burro, a lesma, a anta e o cavalo.
Aquele dia foi o último na empresa para alguns funcionários, para outros, dia de promoção, para um desafortunado, em especial, o dia que foi colocado, sem saber e sem saberem, no papel do novo bode expiatório da empresa.
No zoológico do trabalho, o melhor é ser o tratador dos animais.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A Reencarnação do Bode Expiatório.





Ele foi contratado para a vaga de estoquista em uma empresa com cinquenta funcionários. Quase sessenta anos de idade, barriga saliente, calvo. No emprego anterior trabalhava sentado em um escritório. Os colegas entranharam a contratação de uma pessoa de idade para estoquista, naquela empresa, a função requeria esforço físico, carregar caixas pesadas, levantá-las e baixá-las no braço. Ele se adaptou com dificuldade ao trabalho pela demanda física. Era solícito e afável, sempre pronto a resolver todos os problemas do trabalho, inclusive aqueles que não eram sua função resolvê-los.
Rápido se tornou vítima de intrigas e era culpado pelo que não havia feito, afinal, não reclamava de nada, não fazia queixas aos superiores, complacente, acomodado, figura preferida na empresa para receber a culpa por todos os erros do quadro de funcionários.
Um erro grande e fatal na empresa, ele, por consenso, era o suspeito – de todos - dos colegas de setor à direção. Incapaz de se defender acabou sendo demitido ao final do período de experiência pelos erros a ele atribuídos. Muitos colegas lamentaram, pois era boa pessoa e colega, outros, ficaram aliviados por se livrarem de um estorvo, alguns ficaram preocupados em encontrar um novo responsável pelos seus velhos e reincidentes erros.
Na reunião seguinte de todas as segundas às 8h da manhã, uma surpresa: o colega estoquista recém demitido estava presente, vestido de terno e gravata com o mesmo ar sereno e doce que todos estavam acostumados a ver no semblante dele quando era estoquista na empresa. O Diretor da empresa, logo no início da reunião, acabou com a curiosidade de todos sobre a presença do ex-colega, explicou que ele havia sido readmitido como o chefe do Departamento De Pessoal da empresa, o período de experiência de três meses foi um truque para que o futuro chefe do Pessoal conhecesse a empresa, sua cultura e, principalmente, os funcionários, suas peculiaridades, personalidades, quem era bom, quem era ruim, quem trabalhava, quem fingia trabalhar, quem era a jararaca do setor, o burro, a lesma, a anta e o cavalo.
Aquele dia foi o último na empresa para alguns funcionários, para outros, dia de promoção, para um desafortunado, em especial, o dia que foi colocado, sem saber e sem saberem, no papel do novo bode expiatório da empresa.
No zoológico do trabalho, o melhor é ser o tratador dos animais.

domingo, 4 de setembro de 2011

Prólogo Do Filme "Anticristo".



A corda imaginária está esticada, Eros oposto a Tánatos.
A água cai, molha os corpos nus. Desejo. A neve cai. Fria.
Enquanto o amor acontece, há dor, tristeza e desespero, multivalências encobertas pela necessidade, desejo e angústia. E não basta o amor penetrar no outro, ele, mesmo assim, permanece, só, com sua maldição.
Enquanto o mundo gira, a roupa gira na máquina de lavar, o relógio gira, a roda gigante gira, amor e morte se constroem, se desenvolvem e acabam, como uma vida recém reproduzida, como o fim de tudo.
Tempo paralisado, congelado em emoções. Um pequeno corpo se movimenta. Quanto tempo demora para alguém se dar conta? E como se conta o tempo? Quando do prazer, o tempo se refugia no nada.
O amor é intolerável e o desejo insaciável, busca uma janela para fugir e satisfazer. A vida é onipotente, nem a dor, a tristeza e o desespero podem com ela. Melhor que a vida é a possibilidade do que há além dela. Sem freios, a felicidade é uma possibilidade tão próxima quanto o ar que respira, tão inalcançável quanto ela mesma.
A neve do chão sobe, o prazer atinge o limite. Fim
A corda imaginária se rompe, nem Eros, nem Tánatos, nem vida, nem morte, só alguém.


sábado, 3 de setembro de 2011

Tocou O Sinal Para O Recreio.

Olha, vou ser bem sincero, não gostei dos meus textos escritos como exercícios para a Oficina. Os argumentos estão razoáveis, tem um ou outro mais criativo, o problema está no desenvolvimento deles. Escrevo de forma óbvia, previsível e formal, pareço um trem que nunca sai dos trilhos, que não se aventura por outras terras, serras, planícies, praias, que não experimenta parar em outras estações e ainda é movido à carvão, ou, talvez, eu escreva como um cavalo de padeiro que já sabe de cor o caminho para entregar o pão, o padeiro só precisa mandar ele andar ou parar.
Para que eu escreva algo melhor de se ler é preciso, primeiro, desconectar o texto da minha personalidade, porque escrevo da forma que eu sou, devo deixar o formalismo e o rigor fora do texto, acrescentar ginga, aleatoriedade, umas palavras menos sisudas, fugir um pouco da realidade fria, não me preocupar com o perfeccionismo que me persegue como o trem ou o cavalo do padeiro.
Outra coisa: preciso escrever como se estivesse brincando, com sorriso nas mãos, alegria, desprendimento, sem preocupação com crítica. Escrita livre, refletindo meu pensamento. Tenho que usar o que aprendi na Oficina e fazer o tema de casa na hora do recreio.
E que esse seja o último texto que faço vestindo smoking.