sábado, 22 de novembro de 2008

O Realejo.



Todos os dias ele repetia seu ritual, tinha que passar no parque de diversões, caminhar até o realejo, ouvir a melodia em um volume só, estender o dinheiro ao velho senhor que desde sempre só fazia isso, esperar o periquito pescar com o bico um papelzinho dobrado onde estava escrito a sorte de seu dia.
O dia dependia do que estivesse escrito no papel, não havia chance do dia ser diferente, era o periquito quem dizia se o dia seria alegre, triste, divertido, cansativo, preocupante, dramático ou esperançoso. E não havia o que convencesse ele de que o realejo pudesse errar. A vida e a realidade tentavam mostrar a ele que o futuro era imprevisível, mesmo assim ele dava um jeito de adequar o seu dia ao que dizia a sorte tirada no realejo.
Já havia perdido diversas oportunidades na sua vida por não acreditar que ela fosse guiada pelo destino, perdeu emprego, namorada, amigos e até o velho cão desistiu de acompanhá-lo em suas aventuras diárias.
Ontem ele foi ao parque, como sempre, desde sempre. O realejo não estava mais lá, o seu velho dono morrera e o periquito, sem dono, foi doado à uma criança que seguidamente brincava com o periquito quando visitava o parque.
Pela primeira vez na sua vida ele teve que deixar o destino seguir o seu rumo, suando de nervosismo não conseguiu se mover, parado ficou diante do funcionário do parque que lhe dera a notícia fatal, sentiu o seu coração disparar, lhe faltou o ar, joelhos começaram a tremer, ria e chorava ao mesmo tempo, sentia que ia morrer.
Pela primeira vez na sua vida sentiu o que era viver sem ter controle sobre a sua vida, sem saber o que aconteceria no minuto seguinte, se iria morrer, sobreviver, se teria o que comer ou onde morar, exatamente o que sentimos todos os dias quando acordamos sem um papelzinho ao nosso lado para nos dizer como será o dia e, pela primeira vez, se sentiu só, abandonado.
À própria sorte.

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